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quarta-feira, maio 09, 2007
O Paradigma dos Tios

Em Portugal todos conhecem bem o paradigma dos tios/tias, elites e pseudo-elites que se assomam de diversas características peculiares para se distinguir e mostrar superiores em relação aos demais cidadãos.
Atitudes como o tratar os filhos na terceira pessoa do singular (quantas vezes não ouvimos o clássico “Tomás venha cá à mãe”), o utilizar da regra de etiqueta do cumprimento só com um beijinho (porque quem não o faz não é “chic” ou “finesse”), tratar os amigos dos pais, e os pais dos amigos como “Tio” ou “Tia”, desprezar os outros só porque o nome que têm não é “chic”, ou ainda o exacerbar extremamente exagerado e descabido de certas características genealógicas (sem na realidade perceber nada da ciência da genealogia enquanto contribuição para o estudo histórico) são apenas as faces mais evidentes deste sistema muito bem regulado de manutenção de uma certa superioridade aparente e do poder in stricto sensu, entendido como poder político.
Todas estas ainda são passíveis de compreensão pois é a educação que recebem desde há imensas gerações, até mesmo o tratar um filho por “você”, e esse filho tratar também os pais por você, que acontece ao nível de quase todos os estratos sociais, do mais baixo ao mais alto. Ainda assim, parece-me que um ser que é originado entre um homem e um mulher tem o pleno direito de os tratar por “tu”. Afinal, de um acto para muitos pecaminoso, para muitos mais extremamente prazeiroso, nasce um ser que ao fim de 9 meses no ventre da mãe, chega ao mundo num espectáculo terrível para essa.
O cumprimento com um beijo ainda se percebe, mas recordo aos mais mentecaptos que se escondem nesta atitude para se superiorizar perante outros, que os mediterrâneos são herdeiros da avançada cultura civilizacional romana, e já nos mais elevados estratos sociais de Roma se cumprimentavam com dois beijos.
Mas há uma característica em particular que me assola: o casal de tios que se trata por você.
Esta é que me foge completamente à minha parca compreensão.
Ora imagino então o casal em pleno acto sexual: “Bernardo venha-me à vagina”; “Maria aguente mais um pouco que estou quase a ejacular”; “Zé penetre-me”; “Teresa faça-me um felácio”.
É de facto assolador. E note-se o emprego das palavras vagina, ejacular, penetrar, felácio, pois esta classe comummente designada como “gente de bem”(e aqui há que empregar a devida entoação verbal) é extremamente educada e não diz palavrões nem calão. Atentem nisto se puderem e vão ver como são iguais ou piores que qualquer outra pessoa.
Já para não falar nos milhentos casos de “pessoas de bem” que não têm onde cair mortas, endividadas até não poder mais à banca, que ainda se dão ao luxo de dever avultadas somas monetárias nos mais diversos estabelecimentos comerciais.
Se bem que há muitos que estando dentro deste sistema o desmontam como artifício social, muitos há que o não conseguem fazer, e que quando questionados com questões como o porquê de tratar o namorado(a) por você, ou o porquê de defender a instituição monárquica (atenção pois sendo um monárquico convicto, fundamento esta convicção com base na teoria política), respondem coisas do género “é giro” ou “é bem” (sem esquecer a devida entoação).
Deixo ainda como sugestão de leitura sobre o assunto, o livro “Um Sonho do Tio”, do fabuloso e sempre caústico Fiódor Dostoiévski, que retrata em tom ridicularizado a influência determinante do meio sobre o indivíduo, e a vida vazia, amoral e hipócrita das elites provincianas.

Fernando Pessoa:“Não há nada mais provinciano do que tentar ser cosmopolita”.
1 Comments:
Anonymous Anónimo said...
De muito bom nível. :P Fiódor Dostoiévski é um dos, senão o melhor escritor comtemporâneo. Simplesmente magnânime! Prometo um regresso brevemente aos post's.